sábado, 3 de novembro de 2007

Trova Épica de Verão


Trova Épica de Verão



Estava tudo acertado.Tudo planejado.Fizera o último telefonema, escrevera seu testamento, já havia fechado a conta no Banco (a parte mais demorada, que fez o compromisso ser adiado em quase cinco meses), declara seus pensamentos mais ocultos às pessoas mais inconvenientes, faltara o trabalho para passear sem rumo.Mas mesmo assim era tão difícil...Olhava a dose de cianureto.Olhava para o chão.Como pude...Deixar as coisas chegarem a esse ponto...A derrota lhe era certa: não importava o seu esforço.Mesmo que a realidade não fosse penosa, não escapava da monotonia.Pronto!Decidido!Olhar só mais uma vez pra esse céu.
Mas que surpresa!As árvores do vale...Era simplesmente maravilhoso.As folhas estavam douradas, com uma beleza nunca antes vista.Nesse instante, seus olhos, há muito vendados, pela grossa camada de desesperanças cotidianas, voltaram a enxergar.Olhou ao seu redor...Recordou-se de momentos da infância.Olhou ao redor novamente...E tudo fez sentido.Subitamente se lembrou de suas idéias, suas buscas, e do ardor, da paixão pelo que fazia.Percebeu que há muito seu trabalho era esvaziado de emoção.Não se esforçava por achar os elogios suficientes...Nunca foram, nunca seriam.De que lhe adiantara estudar com afinco, se não sabia onde queria chegar?!Num só movimento jogou fora aquela droga de veneno, e já se sentia mais calmo.Plena placidez de alma.E logo veio à sua mente a seqüência de notas de uma melodia.Era uma trova!Tão única e inexplicável quanto cada uma de todas aquelas folhas, de todo aquele verde transformado em dourado! Correu para o quarto, montou a máquina.Era necessário captar aquele instante que salvara sua vida.Preparou tudo, dessa vez com menos teoria, e mais amor, e tirou a foto.












(Ipês florescendo, 02/11/07)
foto:Lucas Mourão


Era o inicio de um novo tempo.Veio à sua mente uma frase que Neil Gaiman dissera em uma entrevista: “Não se trata de acreditar que dragões existem, se trata de acreditar que se eles existissem haveria homens capazes de derrota-los”.Pegou a mochila, abriu a porta, e partiu em busca de conhecimento.