Há quem diga que a poesia é a descoberta das coisas que nunca vimos. Discordo. Ao menos em um caso específico, percebi que é a descoberta de coisas que nem sempre queremos ver. Conto agora a história de como descobri por que, na assim chamada arte da estronda (sic), os parnasianos superavam os modernistas.
Começa a história no dia em que completava seis meses de namoro com Teresa. Foi triste perceber que a rotina havia transformado nossa relação em algo sem graça, repetitivo, mas estava disposto a fazer algo para impedir que isso a levasse a me abandonar. Escreveria um poema em sua homenagem.
O caderno que tantas vezes usei para fazer piadas, criticar o que merece ser criticado ou escrever besteiras quaisquer agora seria rabiscado por um poema que impressionasse Teresa. “A primeira vez que vi Teresa/ Achei que ela tinha pernas estúpidas/ Achei também que a cara parecia uma perna...” Não, um tanto ofensivo e acho que já li isso em algum lugar, pensei. Talvez, “Teresa, você é a coisa mais bonita que eu já vi até hoje na minha vida...” Também não muito original. Tudo a que cheguei foi a conclusão de que escrever um poema não é exatamente simples.
Mudei logo de idéia, e de estratégia. O espírito de malandragem me levou a buscar um livro na estante e utilizar o primeiro poema que visse. Autor: Ferreira Gullar. Ótimo, com um pouco de sorte ela não conhece esse e, mesmo em caso contrário, ficará impressionada com o fato de eu conhece-lo. A euforia foi tanta que nem li aquele texto que viria a se tornar minha perdição; guardei o livro na mochila e fui ao meu encontro.
Quando vi Teresa de novo/ Achei que seus olhos pareciam eram muito mais velhos que o resto do corpo/ Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do [corpo nascesse. Não liguei para esse pensamento aleatório que passou pela minha cabeça; tinha uma missão, afinal. Ao saber que tinha preparado aquele recital, Teresa ficou encantada. Comecei, então:
“turvo turvo/ a turva/ mão do sopro/ contra o muro/ escuro/ menos menos/ menos que escuro/ menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo/ escuro/ mais que escuro:/ claro/ como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma/ e tudo/ (ou quase)/ um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas...”
Até esse momento, tudo ia bem. Talvez porque gostasse talvez porque não entendesse, minha garota manteve um sorriso artificial (daqueles de que não está entendendo nada) até esse trecho. Sorriso esse que se desfaria com os versos seguinte.
“azul/ era o gato/ azul/ era o galo/ azul/ o cavalo/ azul/ teu cu/ tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras)/ como uma entrada para...”
O choro da jovem denunciava que algo estava errado... Teria eu errado na leitura de algum trecho? Quando perguntei o porquê daquela situação, ouvi uma voz arrastada dizer que, dentre todos os poemas de Gullar, dentre todos os poemas da língua portuguesa que poderia escolher, o poema sujo era o menos indicado. Nunca mais vi Teresa. Os céus se misturaram com a Terra/ E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.Assim perdi minha primeira namorada, mas aprendi uma boa lição. Na vez seguinte que sai com uma garota, recitei um poema do Bilac mesmo, pra não ter problema. E foi assim que cheguei à conclusão com que iniciei meu texto: sem dúvida alguma os parnasianos, como dizem por aí, “pegavam mais mulher” que os modernistas.