domingo, 21 de outubro de 2007

Sobre por que os parnasianos “pegavam mais mulher” (sic)


Há quem diga que a poesia é a descoberta das coisas que nunca vimos. Discordo. Ao menos em um caso específico, percebi que é a descoberta de coisas que nem sempre queremos ver. Conto agora a história de como descobri por que, na assim chamada arte da estronda (sic), os parnasianos superavam os modernistas.
Começa a história no dia em que completava seis meses de namoro com Teresa. Foi triste perceber que a rotina havia transformado nossa relação em algo sem graça, repetitivo, mas estava disposto a fazer algo para impedir que isso a levasse a me abandonar. Escreveria um poema em sua homenagem.
O caderno que tantas vezes usei para fazer piadas, criticar o que merece ser criticado ou escrever besteiras quaisquer agora seria rabiscado por um poema que impressionasse Teresa. “A primeira vez que vi Teresa/ Achei que ela tinha pernas estúpidas/ Achei também que a cara parecia uma perna...” Não, um tanto ofensivo e acho que já li isso em algum lugar, pensei. Talvez, “Teresa, você é a coisa mais bonita que eu já vi até hoje na minha vida...” Também não muito original. Tudo a que cheguei foi a conclusão de que escrever um poema não é exatamente simples.
Mudei logo de idéia, e de estratégia. O espírito de malandragem me levou a buscar um livro na estante e utilizar o primeiro poema que visse. Autor: Ferreira Gullar. Ótimo, com um pouco de sorte ela não conhece esse e, mesmo em caso contrário, ficará impressionada com o fato de eu conhece-lo. A euforia foi tanta que nem li aquele texto que viria a se tornar minha perdição; guardei o livro na mochila e fui ao meu encontro.
Quando vi Teresa de novo/ Achei que seus olhos pareciam eram muito mais velhos que o resto do corpo/ Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do [corpo nascesse. Não liguei para esse pensamento aleatório que passou pela minha cabeça; tinha uma missão, afinal. Ao saber que tinha preparado aquele recital, Teresa ficou encantada. Comecei, então:
“turvo turvo/ a turva/ mão do sopro/ contra o muro/ escuro/ menos menos/ menos que escuro/ menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo/ escuro/ mais que escuro:/ claro/ como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma/ e tudo/ (ou quase)/ um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas...”
Até esse momento, tudo ia bem. Talvez porque gostasse talvez porque não entendesse, minha garota manteve um sorriso artificial (daqueles de que não está entendendo nada) até esse trecho. Sorriso esse que se desfaria com os versos seguinte.
“azul/ era o gato/ azul/ era o galo/ azul/ o cavalo/ azul/ teu cu/ tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras)/ como uma entrada para...”
O choro da jovem denunciava que algo estava errado... Teria eu errado na leitura de algum trecho? Quando perguntei o porquê daquela situação, ouvi uma voz arrastada dizer que, dentre todos os poemas de Gullar, dentre todos os poemas da língua portuguesa que poderia escolher, o poema sujo era o menos indicado. Nunca mais vi Teresa. Os céus se misturaram com a Terra/ E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.Assim perdi minha primeira namorada, mas aprendi uma boa lição. Na vez seguinte que sai com uma garota, recitei um poema do Bilac mesmo, pra não ter problema. E foi assim que cheguei à conclusão com que iniciei meu texto: sem dúvida alguma os parnasianos, como dizem por aí, “pegavam mais mulher” que os modernistas.

12 comentários:

Luiza N. Silva (Quinta) disse...

Hum, muito bom, muito útil (ou não). Mas divertido ^^. Não sei qual é a sua obsessão com o Poema Sujo de ultimamente, mas tudo bem.
Viu, falei que você tinha motivo para gostar dos parnasianos! Então comece a treinar comigo:
"Última flor do Lácio, inculta e bela
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho"
(Olavo Bilac)
E boa sorte nas suas próximas pegações.

Vitor Okendo (Terça) disse...

Essa é uma prova da triste situação do ensino brasileiro. Enquanto o professor medíocre nos ensina da ''onda revolucionária'', dos ''avanços na literatura'' que o modernismo proporcionou, mascara dados importantes (e talvez o mais importante) que os modernistas todos tentavam esconder: Eles não pegavam mulher.
Sugiro que nós, jovens com ideiais revolucionários, organizemos uma contra-revolução a de 22, pra restaurar o parnasianismo estronda.

PS- Do caralho o texto.

101 coisas.... disse...

meu primo é muuuito intelignte =)

Anônimo disse...

HAHAHAHAHAHAHA
nossa, não lia um texto tão bom e cômico ao mesmo tempo a muito tempo.

Me chamo Sapo (Lucas Mourão), disse...

XD Muito bom o texto!O climáx é muito engraçado!Boa a escolha do poema do Gullar: deve ser um dos menos romanticos possíveis pra um primeiro encontro...Pobre Teresa

Anônimo disse...

A palavra existe:

Definição de HIPÓBOLE
hipóbole sf (gr hypobolé) Ret Refutação antecipada de objeções.

http://www.kinghost.com.br/dicionario/hipobole.html

Anônimo disse...

Continuando a pesquisa.

A palavra existe em português:

"hipóbole sf (gr hypobolé) Ret Refutação antecipada de objeções.

http://www.kinghost.com.br/dicionario/hipobole.html"

Veja também em inglês:

"Hy`pob´o`le
n. 1. (Rhet.) A figure in which several things are mentioned that seem to make against the argument, or in favor of the opposite side, each of them being refuted in order.
http://www.thefreedictionary.com/Hypobole"

E em francês:

"Hypobole
Hypobole ( s. f.)

Figure plus connue sous le nom de subjection ou anticipation

Voir prolepse.

http://w3.gril.univ-tlse2.fr/Rheto/P47.HTM"

Seria sinônima, portanto, de Prolepse,que, em francês, significa:

"Prolepse
Prolepse(s. f.)
Du grec: "anticipation".

Procédé fondamental qui consiste à énoncer soi-même les objections possibles et à les réfuter.

Voir hypobole.
http://w3.gril.univ-tlse2.fr/Rheto/"

Veja, agora, a definição de Prolepse no Dicionário do Aurélio:

"Prolepse
[Do gr. prolépsis, 'antecipação', pelo lat. tard. prolepse.]
S. f. E. Ling.
1. Figura pela qual se refutam ou destroem antecipadamente as objeções do adversário."

Então, no lugar de Hipóbole Conjugada, poderíamos ter Prolepse Conjugada ?

Melhor ficar com Hipóbole mesmo.

Sucesso.

Anônimo disse...

Ri muito!
Alegrou o meu início de dia.
Marcia

Lucas Cassol Gonçalves disse...

Faço de minha internação após uma overdose de risadas e o afastamento temporário de “minha sala” (bem como da instituição) exemplo de admiração e fadiga cômica!

Alias, estão adicionados nos Bardos Remanescentes.
-Que belíssima confraria regada a queijos e vinhos.

Saludos!

Ingrid Torres (segunda) disse...

Simplesmente sensacional...coisas ligadas a poeminhas eróticos...humm...muito bom...ando mesmo querendo ler alguns...e fim extraordinário...enfim...amei...

Anônimo disse...

clap clap clap!
melhor texto da hipóbole!!! continue sempre assim

Pedro_Salgado disse...

O texto é realmente muito bom, gostei bastante.

Mas eu não acho que o parnasianismo valha a pena. Nem pra isso.